quarta-feira, 26 de março de 2008

João Pé Descalço


Contar histórias é um tradição muito antiga.(...) Contam-se histórias dos tempos. Mas a história que vos vou contaré uma história simples, que fala das coisas simples da vida, das coisa que o tempo teima em não deixar esquecer.
Um dia um menino decidiu ir ao encontro da sua imaginação e pintou um quadro.(...)
Consegui desenhar exactamente aquilço que queria. A sua história começava a contar-se, só faltava a cor para que ficasse completa. Por momentos pensou no seu avô. - Será que ele também foi assim?(...)
João Pé Descalço hoje sentia-se particularmente feliz. Descobrira que a sua vida era valiosa, que a sua pequenez era confortável, lhe trazia paz, e que sobretudo lhe dava confiança necessária para não desistir da sua vida de menino errante.(...) Lembrou-se de um passado de que há muito não depende, e que lhe traz memórias de um tempo incerto que agora pretence aos deuses. Reparou na solidão distraída de uma borboleta que repousava sobre um malmequer, num descanso merecido de regressos constantes.
Afinal, pensou João Pé Descalço, todos regressamos para qualquer lado, é uma necessidade comum, até a natureza.(...)
- Não sejas injusto, João Pé Descalço! Sabes que nem sempre é assim. Por vezes, e na sua maior parte, o vento sopra calmo e silencioso.
- Pois! Então se calhar é mentiroso - Diz João Pé Descalço - faz as coisas de mansinho para não dar nas vistas, só que quando se descontola deixa tudo desarrumado, numa grande confusão.
- Ele não é mentiroso, nem nado disso do que estás para aí a pensar - retorquiu a Lua zangada. - Deixa-me dizer-te uma coisa! O vento também tem sentimentos, e mais do que todos nós ele sente a alma das coisas, e nem sempre o que vai na alma é bom, por isso ele zanga-se, não é por mal, é por vergonha daquilo que vê, daquilo que sente. A falta de amor entristece-o e a crueldade dá-lhe nós na barriga.(...)
A Lua continuava o seu trabalho de protetora das Flupis. Agora já num ritmo mais lento dirige-se a cada uma das fadas e pousa a sua mão direita no medalhão de anil, que absorve sua energia. O ritual fora cumprido.(...)
- Lua, posso fazer-te uma pergunta?
- Sim, João.
- Porque é que as Flupis usam um medalhão tão grande ao pescoço?
- Por causa da solidão. O medalão tem poderes de afastar a solidão.(...) Aquele azul tem poderes muito especiais. Faz-lhes companhia sempre que elas precisam, sou eu que fortaleçp a sua cor e assim estou a fortalecer as suas almas e é por isso que elas se encontram comigo.
- Então e agora? O que é que elas vão fazer? - Pergunta João.
- Vão procurar mninos que se sentem sozinhos e dar-lhes um pouco da sua alegria. Elas sabem que o meu amor é generoso e incondicional. Sem isso elas morrem.
- Hum. E quando eu me sentir sozinho o que é que faço? Achas que também posso morrer? - pergunta.
- Ora meu amigo, tu não és uma fada, és um menino. Amoroso por sinal. Só as fadas morrem de solidão. É natural que por vezes te sintas sozinho João, acontece com todos nós, até comigo que sou a Lua. Mas quando te sentires assim vai ter com alguém, conversa um pouco, vais ver que te ajuda. Há sempre um amigo por aí, alguém que se preocupa contigo, mesmo que por vezes pareça o contrario.
- "Só se vê com o coração, o essencial é invisível para os olhos". já dizia o Princepezinho, não é Lua?(...)
O dia amanhecia quando João deu a última pincelada. Passara a noite em claro, sentia-se cansado mas feliz.(...) Este quadro fala, pensou. Está tudo ali, escrito e descrito, com todos os "ses" e "senãos", com todos os "porquês" de um menino errante.
Contar a história do João Pé Descalço trouxera-lhe mais uma vez à memória o seu avô. Lembrara-lhe tempos em que ao anoitecer iam passear para o parque e se sentavam num pequeno banco de madeira a olhar pasa o céu. No regresso a casa, falavam sobre os quadros do avô e foram essas conversas que motivaram o João a pintar.
Mas o sono apertava. Hoje não havia escola e por isso ia aproveitar a manhã para dormir. Abriu a cama, recostou-se nas almofadas, sossegadamente fechou os olhos e sorriu.
- Até já, João Pé Descalço.
Texto "Infantil" de Maria Monteiro/ Ilustração de Marta Torrão
(Não é plagio não é nada, apenas partilha de algo que gostei. Muito!)

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