quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Algo I

"- Porquê tanta preguiça, marido?
- Eu não durmo por preguiça. Eu durmo de tristeza.
Não era tristeza. Era um vazio. Os tristes têm um céu. Cinzento, mas céu. Os desesperados têm um deserto. Meu pai olhava para trás: era mais o esquecido que o vivido. O que não lembrava era porque se esquecera de viver? Ou tudo tinha ficado lá na mina que desmoronou? Quando se cruzava comigo, de pijama, a meio dia, meu pai se justificava:
- Sua mãe quer que eu faça dessas coisas que criam alma na pessoa. Só que ela não entende: se eu estou vivo é porque não tenho alma nenhuma.
E agora, olhando-o sob aquele estilhaçado luar, me pareceu que meu pai não era senão poeira entre poeiras de Lua. Sua alma ficara sepultada entre longínquos minérios."
A Chuva pasmada ( Mia Couto)

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